domingo, 13 de novembro de 2011

A morte

Sempre tivemos dificuldade de conviver com a morte. Ela é inquietante e faz-nos sentir que somos todos iguais. Finados é isso, nostalgia e intimidade. E é sobre sentimentos mesmo que discorro. Lembra da consternação e reverencia gostosa por nosso antepassados? Ou da saudade que nunca acaba? Lembra daquela saudade dolorida, chorosa de antigamente? lembra que pra abrandá-la buscamos o conforto nossas melhores memórias? Pois é... acabou, e falar de antigamente é feio e dá vergonha. Não é mais assim e não estamos mais na era do sentir. Somos provavelmente a última geração que ainda terá finados.

O materialismo nos afasta da morte. Então historicamente retiramos essa saudável passagem de dentro de nossas casas. O ser humano existe há 100 mil anos, e há 100 anos, em suas próprias casas, 
 as pessoas chegavam e também se iriam com o mesmo respeito. mas a morte no âmbito da família já saiu de moda há muito tempo. Somos civilizados e agora o ritual de chegada e  partida acontece nos novos templos de surgimento da vida e da morte. Os hospitais. Onde é controlada a entrada e permanência da família. Onde já se viu presenciar seu pai fazendo coco na cama porque tá com câncer?

A morte digna e honrada como a de nossos agora enterrados familiares anda escassa. A raça humana não admite a morte. Não queremos vê-la. Não podemos dizer que somos imperfeitos, muito menos que somos finitos. Imagina que o atestado de nossa finitude terá a nossa atenção. Só os assassinatos tem nossa atenção, ou alguém aqui leu obituário recentemente? Há anos que mesmo no hospitais não vejo ninguém morto. Verdade ninguém tem morrido mais. Nem árvores mais podem morrer.

Ninguém se vai porque estava doente, porque estava velho ou sofrendo. Não há mais espaço para pessoas que abandonaram essa existência com dignidade e na hora determinada e permitida por Deus. Esse pensamento é fora de moda e muito conformista. Admitir a morte com normal é quase um sintoma de ignorância. Ela é sempre a consequencia de um erro. Se alguém morreu é porque alguém errou. É isso mesmo, todos são vitimas de um homicida culposo ou doloso.


Atualmente a maioria dos humanos sai desse mundo ASSASSINADA. . Não morremos, somos violentados agredidos ou alguém falhou... O bêbado matou, o ladrão atirou, o político não fez o hospital. Mas se estava no hospital:  O médico errou... A enfermeira medicou enganada... Faltou vaga para meu pai... O convénio não autorizou o exame... Na visão mais otimista possível (ou quando não conseguimos condenar alguém), a culpa é da infecção, da cirurgia que não deu certo, do mau tempo ou do acaso.

Trabalho em UTI e acompanhei uma criança emblemática. Ela nasceu com uma doença no coração muito grave. Foi da barriga para a incubadora, a seguir para a cirurgia. Sempre na UTI, sempre grave, sempre com tubos e cateteres, sensores e drenos. Pequenos movimentos poderiam assassiná-la. Nunca melhorou a ponto de sair de seu leito, nunca ficou boa, nunca viu o seu berço em casa. Várias semanas depois, essa criança viu enfim o colo de sua mãe... Agora o encontro sonhado todos os dias da gestação acontecia. O sonho de ambas as partes foi concretizado... Quanto amor poderia ser trocado? Quanta saudade e carência de ambas as partes... Infelizmente esse encontro só foi possível pois a criança já havia sido assassinada. Não houve troca, nem amor. Só mais angústia, só mais dor, só revolta, só mais uma vitima desse serial killer ainda a solta.

Amigos, a morte digna, aquele alívio das dores do mundo, consequência natural da vida sumiu. A morte não é mais necessária. Ela é ultrapassada, desnecessária, cafona e suja. A sociedade moderna e civilizada não pode coexistir com a morte. Falar dela já é considerado politicamente incorreto. Só é antenado aquele que discorre sobre o assassinato de seu pai ocorrido na clínica tal. Será que esse não é o caminho mais curto para que continuemos existindo mas no entanto, mortos por dentro? Será que a vida na sua melhor essência é só isso... a fuga da morte?

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